La Musica

Xuxa Lopes e Hélio Cícero, o casal de La Musica

Xuxa Lopes e Hélio Cícero, o casal de La Musica

Sábado à noite, eu e minha namorada íamos assistir à peça Alma Boa de Setsuan, no Tuca, em São Paulo. Chegando lá, demos de cara com uma baita multidão. Entramos na fila da bilheteria e o rapaz que a organizava falou que não haviam mais ingressos para a peça naquela noite, mas que ainda poderíamos conseguir um lugar para o espetáculo em cartaz ali do lado, no Tucarena. Apressados e em cima da hora, aceitamos a sugestão, e lá fomos nós assistir a La Musica.

Entramos logo após o segundo sinal. A música já começava a inserir o público num certo clima. Terceiro sinal, baixam as luzes e a ação tem início.

A peça é um diálogo entre as personagens Anne-Marie Roche e Michel Nollet, vividas respectivamente por Xuxa Lopes e pelo fantástico Hélio Cícero. Divorciados há cerca de três anos, o casal francês idealizado por Marguerite Duras em 1965 estivera completamente afastado até o reencontro inesperado no saguão de um hotel, cenário da apresentação. Ali, inicialmente muito constrangidos, eles voltam a se falar e aproveitam para ‘lavar a roupa suja’.

O texto trata de assuntos como adultério, ciúmes, casamento. Os longos e densos silêncios do início da peça são lentamente substituídos por discussões cada vez mais intensas, que tratam não apenas do passado de cada um e dos motivos que levaram ao fim do casamento, mas abrangendo questões mais profundas, como a manutenção da liberdade de cada metade do par mesmo após consumarem-se os sagrados votos. Liberdade que deveria permitir à mulher suas solitárias incursões ao cinema ou às corridas de cavalo, mas que provocam no marido um ciúmes imenso dela com… ela mesma.

O clima noir da Paris do século passado faz-se tanto pelos móveis e pelo papel de parede quanto pelas lâmpadas quentes que cercam o cenário, cobertas por luminárias características. A música, por outro lado, em nada remete à época em que se passa a ação. Outros elementos do design de som, como as falas de personagens que não estão presentes (que falariam via telefone ou escondidas atrás de móveis) e os sinos que parecem soar aleatoriamente ao longo da peça, deixam um tanto a desejar. Há de se destacar que, ao menos na noite em que assisti à peça, o som das gravações estava com o volume extremamente alto – algo desagradável, ainda que não comprometa a compreensão da obra.

Preciso fazer um parágrafo sobre a atuação de Hélio Cícero. Em minha há pouco iniciada incursão no mundo do teatro, é a segunda vez que tenho a oportunidade de assistir a uma peça com este grande ator; a primeira foi em O Fingidor, de Samir Yazbek, em que ele protagoniza Fernando Pessoa e seu heterônimo vivo, Jorge Madeira, criado para ser um datilógrafo simples e nada poeta. Vi, portanto, em duas peças, três personagens interpretadas por Cícero (tendo em vista que Jorge Madeira é Fernando Pessoa, mas tem suas próprias peculiaridades, e é, portanto, uma personagem vivida por outra personagem). E é incrível ver como este ator consegue, mesmo mantendo seu timbre de voz natural e seu falar pausado característico, representar papéis tão diametralmente opostos com a mesma alta qualidade. A face de comediante que vi na primeira peça é substituída aqui pela de um homem algo perturbado, incomodado com o fim de seu casamento, mas que parece refrear seus sentimentos até o último instante; um homem que segue sua vida com uma namorada, mas ainda guarda por sua ex-esposa, trancados no âmago, os mesmos sentimentos de outrora.

La Musica é uma boa peça, de curta duração (aprox. 1h), indicada para quem se interessa por conflitos de relacionamento. Um texto não exatamente leve, com algumas frases razoavelmente profundas, num espetáculo que vale mais para observar a performance dos atores do que pelo conteúdo em si.

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